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Inês N. Almeida

Inês N. Almeida

Review: "As Coisas Que Faltam"

Inês Nobre de Almeida, 31.10.24

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É quase ironia vir abordar este livro agora. Há uma semana escrevi sobre o que nos faz gostar - ou não - de livros e expliquei que tendo a preferir livros consoante o enredo, mais do que pelas personagens.

No caso deste livro é ao contrário. A Ana Luís, personagem principal, é a maior razão pela qual eu gostei deste primeiro romance da Rita da Nova. É uma clássica jornada do herói. Temos uma personagem, ela tem uma missão e, de imediato,  torcemos para que seja bem-sucedida. Só adorava ter passado mais tempo com ela (personagem) - mas já lá vamos. 

Primeiro a sinopse: Crescendo apenas com a mãe, aos oito anos, Ana Luís pede-lhe pela primeira vez para conhecer o pai. Habituada a constantes "nãos" mesmo em coisas como ir a casa de colegas, não se surpreendeu quando a resposta negativa chega. No entanto, dói. Sobretudo a partir desse momento, Ana Luís cresce com o sentimento de falta de alguma coisa, exacerbado pela dependência de uma mãe controladora e, em grande parte, fria. Ana Luís tem a certeza de que, quando conhecer o pai, a sua vida será diferente e, à revelia da mãe, decide procurá-lo. 

À Ana Luís pode faltar muita coisa, a mim só me faltou uma: um calendário. Ou seja, uma melhor noção de como o tempo passa ao longo deste romance. Tudo acontece tão depressa. Vou tentar não dar imensos spoilers, mas, em apenas 252 páginas vamos desde a infância da Ana Luís até à sua vida adulta. Embora compreenda a intenção (e intenção é o critério que impera na escrita) de incluir todos estes pequenos momentos da vida dela isso faz com que a história seja contada de uma forma apressada. Gostava de me ter demorado mais em alguns pontos: aqueles em que ela idealiza a vida com o pai como forma de lidar com a sua vida real, aqueles em que dá para ver que ela usa as relações - nomeadamente amorosas - para colmatar esta "falta" que sente sempre. Precisava de ir mais devagar, por exemplo, no momento em que ela conhece o Raul (a sua primeira relação séria) e no início em que a relação é boa. Precisava de perceber melhor quanto tempo passa entre as sucessivas tentativas de contacto com o pai que a Ana Luís faz. 

Há também neste romance o retrato de alguma dependência feminina em relação aos homens na sua vida, ânsia perante a possibilidade de perda, que, embora me tenha feito revirar os olhos, mais uma vez, compreendo que esteja alinhado com esta personagem que se sente sempre incompleta por não conhecer o pai. Lê-se muito a expressão "ser deixada" ou "receber de bom grado migalhas", muito esta noção de dependência que causa comichão, mas, lá está, dado o historial desta personagem, entendo de onde vem. 

Ana Luís é uma personagem bem construída, com profundidade, defeitos - como temos todos - e é isso que a torna tão cativante. Mesmo que a nossa vida não seja como a da Ana Luís, vemo-nos logo impelidos a torcer por ela, queremos que obtenha aquilo que sempre procurou e queremos saber como vai lá chegar. 

O final é expectável, mas satisfatório. Exactamente como diz a última frase: "As coisas são como são e isto tinha de ser assim". 

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3.5/5

It's almost ironic that I am writing about this book now. A week ago, in this blog, I wrote about what makes us like - or not like - certain books and I explained I tend to like books for the plot more than because of the characters. In this case, it was totally the opposite. Ana Luís, the main character, is the main reason I enjoyed this first novel by Rita da Nova. It's the classic hero's journey. We have a character, she is on a mission and, immediately, we are rooting for her to succeed. I would love to have spent more time with her (the character) though. But we'll get to that later. 

First, the synopsis: Growing up with only her mother, at eight-years-old, Ana Luís asks her for the first time to meet her father. Used to hearing the word "no" often in the simplest things like asking to go meet friends, she wasn't surprised when her mother so quickly refused it. Still, it hurt. From that moment on, Ana Luís grows up with the feeling that something is missing from her life, exacerbated by her controlling and cold mother. Ana Luís is sure that, when she meets her father, her life will be different. So, she sets off to find him. 

Ana Luís' might feel like she is missing out on a lot, but the only thing I felt that was missing was a calendar, or, more specifically, a better understanding of how time passes in this novel. Everything happens so quickly. In just 252 pages we go from her childhood to her adult life. And although I understand the intent (and intent is the most important criteria in writing) of including all of these moments of her life, that rushes the story and I would have liked to spend more time on some moments like those when she idealizes her life when she meets her father (as a way of dealing with her real life) or those where we can see how she uses her relationships to make up for what she feels is missing from her life. I needed the novel to slow down a bit, for example, when she meets Raul (her first serious boyfriend) and in the beginning when their relationship is good. I also needed to understand better how much time passes between each time she tries to reach her dad. 

There are also some moments in this novel that portray the ever-present in fiction feminine dependence on the men in their life that, although it made me roll my eyes, I understand how it aligns with this character who always feels incomplete because she doesn't know her father. 

Ana Luís is a well-crafted character, with depth, with flaws - as we all have - and that's what makes her so captivating. Even if our life isn't, at all, like hers, we can't help but root for her, we want her to get what she has always been looking for and we want to know how she is going to get there. 

The ending is predictable, but satisfactory. As the last sentence says "things are how they are, and this is how it had to go".

 

 

Porque gostamos (ou não) dos livros que lemos?/ Why do we like (or not) the books we read?

Inês Nobre de Almeida, 24.10.24

Esta semana foi de trabalho e de me debruçar sobre questões sobre as quais só comecei a pensar mais recentemente, por consequência do que tenho feito. Há uns meses, quando escrevi sobre "A História de Roma" da Joana Bértholo (podem ler a publicação completa aqui) contei-vos que era um teste para ser leitora freelancer para a London Literary Scouting. Desde aí (como é que Julho já parece ter sido há tanto tempo?) li mais manuscritos para eles em que o propósito é, à primeira vista, simples. Tenho de responder às perguntas: este livro deve ser traduzido para outra língua? Deve ser adaptado para série ou filme?

A questão de ser traduzido para outra língua pode ser colocada de outra forma: o que está ali escrito é universal? A partir do momento em que me coloquei essa questão senti-me a Alice no País das Maravilhas a seguir o coelho pelo bosque e a ser levada para um buraco que parece não ter fundo. A questão da universalidade leva a outras. Como é que sabemos o que é universal? O que é que faz com que um livro seja adorado por muita gente mesmo que não por toda a gente (isso não existe): Temas.

A questão dos temas na literatura sempre me fez revirar os olhos. Porque é que uma história tem absolutamente de ter um tema específico? Não chega ser uma boa história? Porque é que temos de identificar que, na verdade, a história não é sobre as personagens e o que lhes acontece, antes sobre este ou aquele tema? A resposta é esta: pela questão da universalidade. É preciso identificar os temas sobre os quais um livro está realmente a debruçar-se ao contar uma determinada história para perceber se é algo que as pessoas, mesmo que não vivendo naquela realidade específica, vão perceber.

"A História de Roma" fala de um ex-casal que se reencontra dez anos depois de se ter separado. As duas pessoas passeiam por Lisboa e relembram vários momentos da relação - cada um de forma bastante diferente. O verdadeiro tema deste livro, porém - percebemos ao ler - é a memória e também a questão da maternidade. Um leitor (talvez, em particular, uma leitora) em qualquer parte do mundo tem experiências que lhe permitem relacionar-se com o que a personagem está a viver dada a universalidade dos temas. 

É o facto de nos identificarmos com uma personagem que faz com que gostemos ou não de um determinado livro? Não necessariamente. Em primeiro lugar, depende do tipo de livro: há livros claramente mais focados no enredo, outros no desenvolvimento de personagens. Depois, relacionado com isto, do tipo de leitor que somos - eu tendo a ser uma leitora que prefere um livro com um bom enredo do que um em que se perde imenso tempo a desenvolver personagens mas às quais nada acontece. 

Alguma vez pensaram sobre que tipo de leitor são? Mesmo que nunca o tenham feito, façam-no agora. Pensem: Que género de livros vos atrai mais? É o enredo que vos agarra? São as personagens? Há também quem prefira livros passados ou num cenário complexo - como o caso de livros de Fantasia - ou num cenário que adoram (por exemplo, determinada cidade).

Digam-me nos comentários a vossa preferência e podemos partilhar recomendações de leitura!

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This week was work-heavy and it made me think about some things I have only recently started to wonder about as a consequence of what I have been doing. A few months ago, when I wrote about "A História de Roma" ("The History of Roma") by Joana Bértholo (you can read the post here ) I told you it was a test to be a freelance reader for London Literary Scouting. Since then (how was July seemingly so long ago already?) I read more manuscripts for them and the goal, at first glance, is simple. I have to answer the questions: can this book be translated to another language? Should it be adapted as a show or a film?

The question regarding translating it to another language can be posed differently: is what is written in that book universal? From the moment I wondered about that, I felt like Alice in Wonderland going down a massive rabbithole. The question about it being universal or not, poses others. How do we know what is universal? What makes a book be loved by many people (not everyone, that doesn't exist): themes.

The issue of themes in literature always made me roll my eyes. Why does a story absolutely need a specific theme? Isn't it enough that it's a good story? Why do we have to point out that a story is not in fact only about characters and what happens to them but also about this or that theme? The answer is exactly that - so we know what is universal or not. It's necessary to identify the themes of a book to understand if it's something that people, even those not living in that specific reality, will understand and relate to.

"The History of Roma" is the story of an ex-couple that meets once again in Lisbon 10 years after their break-up. While they wonder through the city, they recall moments of their relationship - each of them remembers it very differently. The real theme of this book, though - we understand by reading it - is memory and motherhood. A reader anywhere in the world will have experiences that help him relate with what those characters are living through because those themes are universal. We all have memories.

Is it the fact that we relate to a character which makes us like a book? Not necessarily. To begin with, it depends on the kind of book. There are books clearly more plot-focused, others more character-focused. Then, related to this, it depends on the kind of reader we are. I tend to prefer books with a great plot even if the characters aren't super fleshed out rather than one with amazing characters where nothing happens.

Have you ever thought about the kind of reader you are? Do it now. What kind of book do you gravitate towards? Is it the plot that grabs you? Is it the characters? Is it the setting? Some people might prefer a complex setting - like in fantasy books - or a setting they love (namely a city they visited and loved).

Tell me in the comments your preferences and maybe we can swap book recommendations!

 

Enviei o meu manuscrito a editoras no dia em que foi anunciado o Nobel da Literatura/I sent my manuscript to publishers on the day the Nobel Prize in Literature was announced

Inês Nobre de Almeida, 17.10.24

Parabéns à Han Kang, premiada com o Nobel da Literatura 2024! Dela só li "A Vegetariana" (podem ler a minha opinião aqui). No mesmo dia em que o Nobel foi anunciado (quinta-feira), enviei o manuscrito no qual trabalhei desde 2021, às editoras portuguesas que publicam novos autores e o género de livro que escrevi. Foi coincidência e, obviamente não quer dizer nada. Basta ver a dificuldade que estou a ter em fazer uma história com duas linhas temporais funcionar (um grande obrigado à Joana Bértholo pela dica que deu, sem saber, ao falar do seu "A História de Roma). 

Antes de enviar, compus o e-mail e pedi a um amigo que lesse para ter a certeza de que era claro, de que não tinha gralhas e de que não estava a faltar nada relevante em termos de informação a dar. Calha que, nesse exacto momento, ele está prestes a entrevistar sobre a atribuição do Nobel à Han Kang uma das pessoas a quem eu enderecei o meu manuscrito. E ele contou-lhe que eu o tinha feito. O meu texto já não existe só neste computador portátil que também uso para escrever estas publicações semanais. Está na caixa de entrada de quatro pessoas que vão lê-lo e podem gostar ou não. 

Agora resta esperar pelas respostas que hão-de demorar, se chegarem. As editoras devem receber milhentos e-mails por dia com novos manuscritos e qualquer um de nós que já tenha tido demasiados e-mails por ler na caixa de entrada percebe a vontade que dá de não abrir nenhum. Espero que não seja esse o caso. 

Se também estiverem a tentar encontrar editora, deixo aqui a melhor dica que alguma vez recebi: direccionem o vosso e-mail o mais possível. O que quero dizer com isto? investiguem as editoras que aceitam publicar novos autores, mais do que isso, entre essas, aquelas que publicam o género de história que escreveram. Além disso, informem-se sobre os editores também. No meu caso, quando já tinha a lista de editoras que aceitam submissões de manuscritos de novos autores, andei a passear por FNACs e Bertrands de Lisboa a ver que livros dessas editoras alinhavam com o meu e abria a primeira página para ver quem os tinha editado. Quando enviei os meus e-mails na quinta-feira, enderecei-os a esses editores especificamente. 

Boa sorte!

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Huge congratulations to Han Kang who was awarded the Nobel Prize in Literature 2024! By her, I have only read "The Vegetarian" (you can read my review here). On the same day the Nobel was announced (thursday), I sent the manuscript I have been working on since 2021 to the publisher in Portugal which publish new authors in the genre I wrote in. It was a coincidence and it clearly doesn't mean anything. Just look at how much I have been struggling to make my dual-timeline story work (a huge thank you to Joana Bértholo for the tips she inadvertedly gave just by talking about her book "A História de Roma").

Before sending it, I wrote the e-mail and asked a friend to look it over to make sure it was clear, had no mistakes or typos, and that nothing relevant was missing. In that moment, he was about to interview about Han Kang's Nobel one of the people I sent my manuscript to. And he told her I had sent it. Now, my manuscript is no longer just on my computer, the same I sit at to write these weekly posts. It's in the inbox of four people who will read it and may like it or not. All I can do is wait for replies which will take a long time if they ever arrive. Publishers must receive a thousand e-mails a day with new manuscript and anyone who has had a little too many unopened e-mails in their inbox knows how much you just feel like not opening any of them. I sure hope that is not the case here.

If you're also trying to find a publisher for your books, here's the best tip I ever got: make your e-mail as specific as possible. More than investigating if the publishers accept publishing new authors, and if they publish the genre you write in, try to know more about the editors working for each publisher as well. Once I had a list of the publishers I wanted to contact, I went to bookshops in Lisbon and opened books that thematically were similar to mine to see who had edited them. When I sent the e-mails, even if I was only given a general e-mail address, I directed my e-mail to that specific editor.

Good luck!

 

 

Review: "Teoria das Catástrofes Elementares"

Inês Nobre de Almeida, 10.10.24

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4

Este livro agarra-nos desde o primeiro capítulo com uma história sobre o atropelamento da mãe da personagem principal. Desde logo, Rita Canas Mendes demonstra o que é, para mim, o maior feito desta obra: cada capítulo podia ser um livro inteiro. O leitor é de imediato transportado para aquelas histórias e queremos saber mais sobre o que está a acontecer a cada personagem.

No entanto, foi o segundo capítulo que me fez não conseguir parar de ler (a não ser quando tive de interromper para ler outro livro por causa de trabalho - daí ter demorado um bocadinho mais a partilhar aqui a review).

Nesse segundo capítulo, a personagem principal está com o pai no Registo Civil. Já tiraram uma senha e estão à espera de ser chamados. Quem nunca esteve numa situação dessas de espera ansiosa em que o tempo parece não querer avançar? A forma como a Rita Canas Mendes integra a contagem do número das senhas que vão sendo chamadas com as divagações do pai demonstra uma mestria do uso da palavra que é invejável. Exactamente pelo modo como o capítulo está escrito, de imediato, somos transportados para aquela sala, para aquela espera, e nos revemos no que está a acontecer. 

Mas este é só o princípio de uma obra muito mais abrangente. "Teoria das Catástrofes Elementares" aborda temas como relações familiares complexas, parentalidade, colonialismo e relações históricas com África. Sobretudo, um pouco ao longo de todos os capítulos, este livro fala do que é ser mulher nos anos 80 e 90 mas também ainda hoje em dia. Abusos nas mais diversas relações. No sistema.

Um dos capítulos mais poderosos é um autêntico grito do Ipiranga. Não posso escrevê-lo aqui todo, mas deixo um cheirinho do que é este capítulo XXXI: "Não percebo como é que não está tudo aos gritos na rua. Eu estou a passar-me com este estado de coisas... Na sexta-feira, na manifestação, a dada altura cantava-se 'mulheres em luta, contra os filhos da puta'. Mas eu não tenho nada contra as putas, o problema são os filhos, os que se tornam agressores. Onde é que estão os pais nessa história? - Foram eles que os ensinaram? Como é que alguém passa de criança a criminoso? Como é que uma rapariga se defende de uma alcateia? Porque a alcateia está a toda a volta - os agressores, os polícias, os juízes, os pais e, às vezes, também as mães. Todos achando-se no direito de subjugar o outro, ou melhor, a outra. Não importa a idade, a beleza, o estatuto social. Ser-se mulher, já para não falar de uma que pertença a uma minoria, é estar-se à mercê. Podem ser virgens em comunidades religiosas ou putas em bordéis, a opressão está sempre lá. Eu sei que a mãe está um bocado chocada por me ouvir falar assim, mas não aguento mais. A revolta com este sistema é tão grande, tão grande. Nós vivemos com isto tudo, carregamos os traumas todos os dias e ainda temos que aturar piropos nojentos na rua. Agora que finalmente estamos a falar disto, com o MeToo, o foco não deve estar no Me, e sim no Too. O problema não é só meu ou só da mãe, é de todas. O problema é de todos, e em todo o lado, no mundo inteiro. A mãe tem de vir marchar comigo no dia 8 de março. Temos de fazer barulho. Isto não pode continuar assim. Estou farta, farta, farta."

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This book grabs our attention from chapter one with a story about the main character's mother being run over. From that moment on, Rita Canas Mendes shows what is, for me, the best thing about this book: each chapter could be its own entire book. The reader is immediately transported to those stories and we want to know more about what happens to each character. But it was chapter two which made me not want to stop reading (unless I had to interrupt to read something for work).

In that second chapter, the main character is with her father in A Civil Registry Office. They have a number and are waiting to be called. Who among us has never been in those situations when the more you want the time to pass, the more it seems to drag? The way Rita Canas Mendes weaves the counting of the numbers as people are being called with the father's rambling shows a mastery of the written word which is enviable.

But this is only the beginning of a much larger work of fiction. "Teoria das Catástrofes Elementares" goes onto themes such as complex family dynamics, parenthood, colonialism and historical ties to Africa. Most of all, throughout all the chapters, this book talks about what it's like being a woman in the 80s and 90s as well as today showcasing several types of abuse in different relationships and the system itself.

Written only in Portuguese for now, I do hope this book gets translated to more languages so other people can experience it. I believe every woman in the world will relate to even if just one of the situations portrayed in the book and that is also why it's so important.

Personagens memoráveis e adaptações/Memorable characters and adaptations

Inês Nobre de Almeida, 03.10.24

 

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Vou começar a publicação de hoje dizendo aquilo que alguns leitores mais puritanos considerariam um sacrilégio: sim, há adaptações cinematográficas que são mais memoráveis que os livros de origem. Porém, não é por isso que esta fotografia ilustra a publicação de hoje. 

Sexta-feira passada morreu Maggie Smith, actriz incrível que, embora tenha actuado em mais de 80 filmes e séries, para mim será para sempre a Professora Minerva McGonagall dos filmes Harry Potter. Já li estes livros duas vezes, no entanto, por mais que me concentre e tente pensar, não me lembro de qualquer descrição da personagem. Não sei como são as suas feições, não recordo a  cor dos olhos ou cabelo. 

Quando penso na professora McGonagall penso imediatamente na interpretação feita pela Maggie Smith que cresci a ver nos filmes (e já vi todos dezenas de vezes de certeza absoluta). 

Outro exemplo, bastante diferente, que ficou sempre na minha mente - tendo já visto o filme muito mais vezes do que li o livro - foi Anthony Hopkins a interpretar Hannibal Lecter no "Silêncio dos Inocentes". Neste caso, lembro-me que até a descrição física da personagem no livro era diferente: tinha seis dedos numa mão, era moreno, olhos escuros. Não sei quem foi o director de casting que leu essa descrição e pensou "bora contratar o Anthony Hopkins", mas quem não pensa nele quando ouve o nome "Hannibal Lecter"? O Thomas Harris que me desculpe, mas não é a versão dele da personagem que é memorável. 

Poucos actores além destes dois tiveram a capacidade de me fazer esquecer por completo a versão literária das personagens que interpretaram e, sem dúvida, que isso é mais que prova do seu enorme talento.

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I'm going to start by saying something that some readers, a bit more exigent, will find sacrilegious: yes, there are film adaptations that are more memorable than the books they're based on. That is not why that image illustrates today's post though.

Last Friday, Maggie Smith died. She was an amazing actress and although I know she acted in over 80 films and tv series, she will always be Professor Minerva McGonagall in the Harry Potter films. I have read the books twice and, no matter how much I think about it, I can never remember a description of the character. I don't know what she looks like in the books, what the hair colour are supposed to be or the colour of her eyes. Every time I think about McGonagall, I immediately think of Maggie Smith's interpretation I grew up watching in the films (and I have watched all of them dozens of times for sure).

Another example, really different, that always comes to mind - having watched the film way more times than I read the book - is Anthony Hopkins as Hannibal Lecter in the "Silence of the Lambs". In this case, I still remember the description in the book: six fingers in one hand, dark haired, dark eyed. I don't know what casting director read that description and went "let's cast Anthony Hopkins", but who doesn't think about him when hearing the name "Hannibal Lecter"? Sorry, Thomas Harris, your version is less memorable.

Very few actors aside from these two had the ability to completely make me forget the literary version of their characters and, for sure, there is great proof of their enormous talent.

 

Acalmar o passo de leitura e outras considerações de férias/Slowing down my reading pace and other holiday thoughts

Inês Nobre de Almeida, 26.09.24

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Não li nadinha nestas férias. Trouxe um livro, comprei outro, não li absolutamente nada. Não me importei. Gosto sempre de, no início do ano, definir uma meta de leitura no Goodreads. No ano passado defini como a minha meta 25 livros - li 32. Quando cheguei a Dezembro e estava a ler "A Vegetariana" da Han Kang (que foi provavelmente a primeira review que escrevi neste blogue quando o comecei) já mal me lembrava que tinha começado o ano a ler coisas como o "Império da Dor" do Patrick Radden Keefe - que adorei - e o "A Polícia da Memória" da Yoko Ogawa de que não gostei lá muito.

Decidi, então, que 2024 seria diferente. Este ano ia ler menos livros para, pelo menos, tentar lembrar-me do que ando a ler. Qualidade em vez de quantidade e esses clichés todos. Não resultou. Estamos em Setembro, há mais três meses no ano, e tenho 26 livros lidos. Acho que não faz mal não ter lido nadinha nestas férias; até me faz bem. O "Teoria das Catástrofes Elementares" da Rita Canas Mendes pode esperar um bocadinho para acabar de ser lido (mesmo estando a gostar imenso) e como já esperei dois ou três anos para me atirar aos livros da Rita da Nova, não faz mal demorar mais um bocadinho a espreitar o "As Coisas Que Faltam".

Também mal escrevi nestas férias. Dois parágrafos e meio (se tanto) da nova história. Muitas notas no meu telemóvel. Esta publicação que agora lêem. Este segundo primeiro rascunho está a demorar muito mais do que a primeira história que escrevi do princípio ao fim e ainda não consegui decidir se isso é bom ao mau. Por um lado, gostava de estar a escrevê-la mais rápido, de dizer que terminei outra vez um primeiro rascunho em quatro meses (não vai acontecer). 

Depois lembro-me de que em 2021, sim, terminei um primeiro rascunho em quatro meses, mas:

- Não planeei nada e metade dos capítulos que escrevi inicialmente acabaram por ser mandados fora porque não faziam sentido para a história;

- Escrevi um final quase sem impacto emocional;

- Escolhi o ponto de vista errado para narrar a história;

Tudo isto levou a que esse primeiro rascunho tenha necessitado de pelo menos cinco revisões. Desta vez, tentei fazer diferente. Fiz logo um plano inicial com as cenas importantes do princípio, meio e fim. Defini o ponto de viragem. Quando cheguei às 30 mil palavras defini o que tinha de acontecer quando chegasse às 45 mil, às 60 mil, no final. O problema é que agora quando me sento para escrever dou por mim sempre a pensar "será que o que estou a escrever vai ao encontro do que quero quando chegar às tais 45 mil palavras? ao final? Será que não faz sentido nenhum para a história?". A ironia é que a resposta absoluta a estas questões só terei quando acabar o primeiro rascunho, mas são elas que tornam acabá-lo mais difícil do que essa primeira história.

Uma vez que não tenho prazos, se calhar, na escrita, tal como na leitura preciso de aprender a desacelerar.

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I was on holiday for a week and I read nothing. I brought a book, I got another one here, I read nothing. I didn't mind. As usual, in the beginning of this year I set a target for my reading on Goodreads. Last year my target was 25 books, I ended up reading 32. When I got to December and was reading "The Vegetarian" by Han Kang (probably the first book I reviewed for this blog when I started it) I barely remembered I had started the year by reading "Empire of Pain" by Patrick Radden Keefe - which I absolutely loved - and "Memory Police" by Yoko Ogawa which I didn't really like.

I decided that in 2024 I'd be different. I would read less books so that, at least, I could remember what I read. Quality over quantity and all that. It didn't work. It's September, there's three months left in the year and I have read 26 books. It's okay I didn't read anything on vacation. I'm actually sort of glad. The two books on the image can wait.

I also barely wrote. Two and a half paragraphs of the new story, lots of notes on my phone, this post you're reading. This is my second time writing a full first draft and it's taking much longer than the first story I wrote beginning to end. I haven't figured out if that's good or bad. On the one hand, I would like to write it faster, to say that, once again, I finished a first draft in four months (it is not going to happen). Then I remember that in 2021, yes, I wrote a first draft in four months but:

- I didn't plan anything, so, half of the chapters I wrote initially ended up tossed because they didn't belong in the story;

- I wrote an ending with no emotional impact;

- I chose the wrong point of view to narrate the story.

All of this led to that first draft having to be edited at least five times in full. This time, I tried to do things differently. I planned and plotted. I defined the midpoint reversal. When I reached 30 thousand words, I planned for what should happen at 45 thousand and at 60 thousand, in the end. The problem is that now, every time I sit down to write, I find myself thinking "is this in line with what I want to achieve by 45 thousand words? Does it match the ending? Does it make sense for the story at all?" The irony is that I will only get the answer to these questions once I finished the draft, but these questions make it so much more difficult to finish than that first story.  

Since I'm not on a deadline, maybe in writing like in reading, I need to learn to slow down.

 

 

Review "Rouge"

Inês Nobre de Almeida, 19.09.24

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É tão bom voltar a escrever-vos sobre um livro que adorei! "Rouge" é uma história que mistura contos de fadas, padrões irreais de beleza e obsessão. Agarra-nos logo desde o início. 

A sinopse: Desde que se lembra, Belle é obcecada com a sua face e vídeos sobre cuidados com a pele. Quando a sua mãe - com quem mantém uma relação distante - morre misteriosamente, Belle volta à Califórnia para lidar com as dívidas da mãe ao mesmo tempo que tenta responder às dúvidas que tem em relação à morte dela. Tudo muda quando uma mulher estranha vestida de vermelho aparece no funeral oferecendo uma pista misteriosa sobre o que poderá ter acontecido à mãe, seguindo-se um vídeo sobre uma experiência transformadora num spa. Com a ajuda de um par de sapatos vermelho, Belle é puxada para "La Maison Méduse", o mesmo spa a que a sua mãe era devota. É lá que Belle descobre os terríveis segredos por de trás da sua obsessão com o espelho.

Embora esteja longe de ser um verdadeiro conto de fadas, assim que começamos a ler é possível ver as referências a várias das histórias que pautam a nossa infância e que - intencionalmente ou não - plantam ideias sobre padrões de beleza. Pensei logo na clássica expressão "espelho meu, espelho meu". Mesmo não estando escrita em parte nenhuma deste romance, é possível ver como a personagem principal é obcecada com o que vê ao espelho. Belle vive para combater qualquer marca na pele - rugas, manchas. 

Porém, à medida que vai fazendo os tratamentos oferecidos pela "Maison Méduse", vai-se apercebendo de que perde mais do que aquilo que lhe estraga a pele - tal como tinha acontecido à mãe. Para evitar estragar o livro a quem possa querer lê-lo direi apenas que memória é também um dos grandes temas deste romance, para além de uma dose a pender para o pouco saudável de obsessão com o Tom Cruise.  

Não mergulhei neste livro às escuras. Como escrevi na publicação há um par de semanas, tive o imenso privilégio de ouvir a Mona Awad falar sobre ele. É baseado em parte na sua própria realidade uma vez que já viveu algum tempo obcecada com vídeos sobre rotinas de beleza. Mesmo tendo algumas pistas sobre a história, ela foi dar a lugares que eu nunca esperava.

Recomendo a quem gostar de um bom mistério e de ser imerso num cenário desconfortável. A maioria do livro desenrola-se como um muito longo pesadelo - nem sempre é fácil perceber o que está a acontecer de facto ou o que está apenas a ser imaginado pela Belle (mais uma vez, uma referência a um conto de fadas). 

Por fim, é sempre um gosto regressar às praias da Califórnia, nem que seja através da leitura. 

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It's amazing coming back here to write about a book I loved! "Rouge" is a story which mixes fairytales, unrealistic beauty standards and obsession. It grabbed my attention right from the start. 

The synopsis: For as long as she can remember, Belle has been obsessed with her skin and skincare videos. When her estranged mother Noelle mysteriously dies, Belle finds herself back in California, dealing with her mother's debts and grappling with lingering questions about her death. The stakes escalate when a strange woman in red appears at the funeral, offering a tantalising clue about her mother's demise, followed by a cryptic video about a transformative spa experience. With the help of a pair of red shoes, Belle is lured into the barbed embrace of "La Maison de Méduse", the same lavish, culty spa to which her mother was devoted. There, Belle discovers the frightening secrete behind her (and her mother's) obsession with the mirror - and the great shimmering depths that lurk on the other side of the glass.

Although it's far from the typical fairytale, as soon as we begin reading "Rouge" there are obvious references to some of the classic stories from our childhood which - intentionally or not - plant ideas regarding beauty patterns. I immediately thought about the expression "mirror mirror on the wall" - even if it never was actually in the story. It's obvious from the start that the main character is obsessed with what she sees in the mirror. Belle lives to fight against anything that tarnishes her skin - wrinkles, freckles, spots. 

But as she continues her treatments at "La Maison de Méduse" Belle realises she is losing more than what is ruining her skin. To avoid spoilers, I will say only that memory is also a huge theme in this novel - as well as a not-so-healthy obsession with Tom Cruise. 

I didn't go into this book blindly. As I explained a few weeks ago, I had the imense pleasure of listening to Mona Awad talk about it. The novel is slightly based on her own experience given that she was also once obsessed with skincare videos. Although I had these clues to the story, it ended up taking very unexpected turns.

I recommend it to anyone who enjoys a good mystery set in an uncomfortable setting. Most of the book unravels like a very long nightmare - it's not always easy to perceive what is actually happening and what Belle is imagining (Belle, once again, a reference to a fairytale). 

To conclude, I'll say that it's always a pleasure to go back to the beaches in California, even if only by reading.

 

 

O manuscrito de Schrodinger/ Schrodinger's Manuscript

Inês Nobre de Almeida, 12.09.24

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Há pouco mais de uma semana enviei um e-mail a uma editora a apresentar-me e a falar da história que escrevi e revi um sem número de vezes nos últimos três anos.  Ainda não mandei o manuscrito. No e-mail, apresentei-me, dei uma sinopse curta da história, indiquei aquele que me parece ser o público-alvo. Agora é a pior parte - esperar. A pessoa que me deu o contacto (meu super primo Alex) disse-me que quando foi com ele, esperou meses até ter uma resposta, por isso, estou a contar com um par de meses de ansiedade até ter uma resposta em relação ao que enviei. 

Tenho confiança no potencial daquilo que escrevi. De cada vez que conto um resumo da história a alguém as pessoas ficam interessadas em saber mais, dizem-me que era algo que gostariam de ler, até mesmo desconhecidos com quem apenas partilho um espaço virtual de escrita 50 minutos por dia. No entanto, há sempre a possibilidade de a pessoa que contactei não gostar ou de ser algo que não lhe interessa publicar neste momento.

Além do mais, eu já estive do outro lado. Durante quase dois anos também eu trabalhei para uma editora que de vez em quando recebia manuscritos enviados por e-mail. Era raro, mas acontecia. Vou-vos contar uma história: Há talvez já um ano, a editora para a qual eu trabalhava recebeu um e-mail com uma sinopse e os primeiros três capítulos de um livro de um autor que já tem obra publicada. O autor era um homem e a personagem principal era uma mulher e se há coisa que a história da literatura já provou uma e outra vez é que há escritores homens que nunca devem ter convivido com uma mulher antes de tentar escrever uma personagem feminina. Este é um desses casos. Para além disso, o enredo era ridículo. 

Tenho a certeza de que o autor não acha o enredo ridículo. Ele passou meses a desenvolvê-lo, talvez mais se contarmos com as revisões e edições que já lhe há-de ter feito. O e-mail que enviou termina anunciando que este manuscrito é só o primeiro de uma trilogia, portanto, sem dúvida que tem confiança naquilo que escreveu. Não chegámos a responder-lhe da editora. É provável que tenha enviado para outras também. Pode ser que uma delas tenha dado seguimento, para melhor ou pior. 

É aí que quero chegar. Nestes meses que vou estar à espera de uma resposta ao e-mail que já enviei e a  outros que pretendo enviar (após um pequeno estudo de mercado agora quando for a Portugal) o que escrevi é uma espécie de gato de Schrodinger - pode estar morto ou vivo dentro da caixa e só saberemos se a abrirmos. O meu livro pode ser óptimo ou terrível até alguém o  ler e me dar uma opinião (ou apenas ler a minha sinopse que foi o que enviei). Até haver uma reacção do outro lado, seja ela qual for, eu não saberei com certeza se o que escrevi é tão bom quanto eu acredito ou não. Neste momento, é um manuscrito de Schrodinger.

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Just over a week ago I sent an e-mail to an editor at a publishing house introducing myself and telling her about the novel I wrote and revised a thousand times in the last three years. I haven't sent her the novel yet. On the e-mail I introduced myself, I gave her a synopsis of the story, I talked about what I think is the target audience. Now, the worst part: waiting. The person who gave me her contact (my great friend Alex) told me that when it was with him he had to wait months until he had a reply, so, I'm counting on a couple of months of anxiety until I have an answer.

I believe in what I wrote. Every time I explain the story to someone, people seem interested in knowing more, they tell me it's something they would read, even complete strangers with whom I only share a virtual writing space for 50 minutes a day. Still, there is always a chance that the editor will not like it or it's something she doesn't want to pursue now.

Besides, I have been on the other side. For almost two years I worked at a publishing house which, once in a while, received manuscripts sent via e-mail. It was rare, but it happened. And I am going to tell you a story: a year ago or so, the publishing house got an e-mail with a synopsis and the first three chapters of a manuscript by an author who has already published some work. The author was a man and the main character was a woman and if there's something the history of literature has proved time and again is that there are some men who never met a woman before deciding to write a female character. This was one of those cases. Besides, the plot was ridiculous.

I'm sure the author does not think the plot is ridiculous. He spent months working on it, even longer if we count revisions and editing. The e-mail he sent also said that it was the first book of a trilogy so, he definitely believes in what he wrote. We never got back to him. It's likely that he sent it to other publishers as well. Maybe one of the others repplied to the e-mail, for better or worse.

That's my point. In these coming months that I will be eagerly waiting for a repply from the editor (and other publishing houses I intend to get in touch with after a quick market research when I go back to Portugal in a few days), my manuscript is a sort of Schrodinger's cat - which can be dead or alive inside the box and we can only find out by opening it. My book can be amazing or terrible until the moment someone reads it and let's me know their opinion. Before I get a reaction from the other side, whatever it is, I will never know for sure if what I wrote is as good as I believe it is. At the moment, it's a Schrodinger's manuscript.

 

 

Não há primeiros rascunhos perfeitos/No perfect first drafts

Inês Nobre de Almeida, 05.09.24

 

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Há-de ser uma das lições mais difíceis de aprender para qualquer pessoa que escreva: não há primeiros rascunhos perfeitos. É fácil num passeio pela Waterstones (em Londres) ou pela Bertrand e pela FNAC (em Portugal) deixarmo-nos ser consumidos pelos livros incríveis, até apenas pelas sinopses na contra-capa. Dei por mim muitas vezes a pensar "wow, que história incrível. Como é que esta pessoa escreveu algo assim?". Uma coisa é certa: não o escreveu à primeira de certeza. O lado mais racional do meu cérebro sabe isso. No entanto, continua a ser uma verdade muito difícil de aceitar.

É bom ser relembrada. Há cerca de duas semanas fui à apresentação do novo livro da incrível Mona Awad (onde tirei a foto pirosa que ilustra o artigo de hoje). Na sessão, ela leu uma passagem do novo livro "Rouge" e respondeu a questões do público. Uma das pessoas perguntou-lhe sobre a rotina de escrita e de quantos rascunhos normalmente precisava até ficar satisfeita com um manuscrito. A esta última Mona Awad respondeu dizendo que a 60% do primeiro rascunho, por norma, já tem uma ideia clara do rumo da história. Porém, só ao terceiro rascunho manda o texto ao seu agente. No caso do livro novo, também disse que as alforrecas que parecem ser tão frequentes (e relevantes) para a história, só surgiram mais tarde. Não logo quando começou a escrever.

Actualmente também eu estou a escrever um primeiro rascunho de uma história nova depois de ter passado quase três anos focada só na que comecei em 2021. Sei como começa, o que quero que aconteça a meio, sei mais ou menos como acaba. Ter essa informação estruturada na minha cabeça é, sem dúvida, uma grande ajuda no que toca a estruturar a história e preencher o que falta entre esses três momentos. Mesmo assim, dou por mim a escrever capítulos que já não são os iniciais mas também ainda não é aquele momento de reviravolta a meio, e a pensar "não estou super satisfeita com como isto está a ficar". Muitas vezes, isso deixa-me irritada.

Não é fácil dizer "Não faz mal. É só o primeiro rascunho."

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It must be one of the hardest lessons to learn when it comes to writing: there are no perfect first drafts.

Looking around Waterstones (in London) or Bertrand and FNAC (in Portugal), it's easy to be attracted by amazing books or even just the synopsis on the back. I find myself thinking "wow, what an amazing story. How did this person write something like this?". One thing is for sure: they didn't do it in one go. My more rational side knows that. Still, it's a hard truth to accept.

It's nice to be remembered. About two weeks ago I went to the launch of a new book by the amazing Mona Awad (where I took that silly picture). In the session, she read a passage of her new novel "Rouge" and answered questions from the audience. Someone asked her about her writing routine and how many drafts she does until she is happy. To this last question, Mona Awad repplied by saying that with 60% of the first draft done she usually knows where the story is going. Still, only by draft number 3 does she send it off. In the case of the new book, she also said the jellyfish, so present and relevant to the imagery, were not there from the beginning.

I am also writing a first draft of something new after three years focused on a story I started in 2021. I know how it begins, the midpoint reversal, and I sort of have a vision for the ending. Having that structure on my mind helps a lot when it comes to filling the gaps in between. Still, I find myself writing some chapters (no longer the beginning, not quite the midpoint yet) and thinking "I'm not super happy with how this looks" and that makes me angry.

It's not easy to simply say "that's alright. It's only a first draft".

 

Review: "The Burgess Boys"

Inês Nobre de Almeida, 29.08.24

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1/5

"The Burgess Boys" foi o livro que levei comigo na semana de férias em que estive em casa e a primeira coisa que gostava de dizer é que eu adorava ter gostado deste livro. No entanto, como se pode ver pela classificação que lhe dei, esse não foi o caso.

A história tem uma premissa incrível que logo despertou o meu interesse assim que li o resumo na contracapa: Assombrados por um acidente bizarro que matou o pai quando eram pequenos, Jim e Bob Burgess escaparam da sua terra natal em Shirley Falls e mudaram-se para Nova Iorque assim que conseguiram. A sua dinâmica e relação é posta à prova quando Susan - a única irmã que ficou no Maine - lhes liga para dizer que o filho, Zach, precisa desesperadamente de ajuda. É isso que leva os irmãos Burgess a regressar a casa e a ter de enfrentar as circunstâncias da sua infância outra vez.

Quanto mais nos aproximamos do final deste livro mais nos apercebemos que não, esta não é a história de uma família numa situação complicada. Esta é uma história sobre uma família rica envolta em privilégios e cujas acções, por mais negativas que sejam, nunca têm as devidas consequências. Já li muitos livros com uma ou outra personagem da qual não gostava; nunca tinha lido um livro como este em que todas as personagens são detestáveis, seres sem qualquer sentido de moral e escrúpulos, que acham que tudo pode ser resolvido atirando dinheiro a quem lesaram. 

A única personagem que parece ter qualquer tipo de escrúpulos neste romance, infelizmente, é bastante secundária e muito superficial. Passamos pouco tempo com ele e não temos grande noção da pessoa que ele é. No final, acaba por ser importante para a resolução do conflito do livro por uma razão muito cliché.

Elizabeth Strout é também a autora de "Olive Kitteridge", um livro que ganhou um Pulitzer e que o New York Times incluiu recentemente na sua lista dos 100 melhores livros do século 21. Escusado será dizer que esperava muito melhor do "The Burgess Boys". Certamente não esperava que fosse o pior livro que li este ano.

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1/5

 

"The Burgess Boys" was the book I took with me in the week I was on holiday back home and the first thing I would like to say about it is that I would love to have loved this book. But, as you can see by my rating, that wasn't the case.

The story has an unbelievable premise that immediately caught my eye as I read the synopsis: Haunted by a bizarre accident which killed their father, Jim and Bob Burgess escape their hometown of Shirley Falls and move to New York as soon as they can. Their dynamic and relationship is put to the test when Susan - the only sister who stayed in Maine - calls them to tell them her son Zach desperatly needs help. That's what bring the Burgess brothers home and forces them to face the circumstances of their childhood all over again.

As we move towards the end of this book, we realise that no, this is not a story about a family in a complicated situation. This is the story of a rich family, full of privilege, whose actions, no matter how negative, never have proper consequences. I have read many books with characters I did not care for; I had never read a book like this, in which I hate all of the characters. All of them are despicable, with no moral compass or conscience. They simply think everything can be solved by throwing money at the injured party.

The only character who seems to have any moral sense in this novel, unfortunately, is superficial and unimportant. We spend very little time with him and don't get a real sense of the kind of person he is. In the end, he is relevant for the resolution of the novel for a terribly cliché reason.

Elizabeth Strout is also the author of "Olive Kitteridge", a Pulitzer-winning book which the New York Times included recently on their list of  "100 Best Books of the 21st Century". Needless to say I expected a lot more of "The Burgess Boys".