Continuamos na luta/ We keep fighting
Vamos jogar ao "encontra as diferenças". Foi um jogo que sempre adorei. O de cima é o cartaz mais recente a anunciar o primeiro Festival Literário de Penacova este mês. O debaixo, foi o primeiro cartaz que a organização partilhou. Caros leitores, têm cinco segundos para encontrar a diferença. Óbvia não é?
Tenho estado caladinha quanto a este assunto, mas agora não deu para deixar passar. Penacova vai ter um festival literário. Óptimo! Não há assim tantos em Portugal e já se sabe que as coisas tendem a concentrar-se em Lisboa e no Porto salvo raras excepções, por isso, tudo o que foge a essa regra da grande cidade é bem-vindo. No entanto, não podemos ignorar o elefante na sala (desculpem lá o cliché): quando foi anunciado, o programa do festival era composto exclusivamente por autores, homens. Mais recentemente partilharam um segundo cartaz - o mais acima desta publicação. Já inclui duas autoras mulheres, imagino eu que para dar resposta a todas as críticas.
Como seria de esperar (e de aplaudir), o Clube das Mulheres Escritoras lançou logo um comunicado no qual salientou que o cartaz composto exclusivamente por homens "peca pela falta de reprensentatividade e desrespeita o público que tem direito a ouvir, também, escritoras mulheres, tal como nos desrespeita a nós e ao nosso trabalho".
Um remendo meio apressado foi feito, como está à vista, mas não chega. Até porque, claro, surgiram também os comentários como o partilhado pela Rita Canas Mendes de um homem que voltou ao clássico "mas então e os homens?" que é como quem ´diz, fez questão de comentar "ah, se fosse um festival só de mulheres ninguém reclamava". Pois não.
O mundo literário historicamente foi composto por homens, feito por homens, para os homens, como tantas outras coisas. Historicamente as mulheres tiveram menos acesso a educação, eram menos alfabetizadas e, por isso, ao longo de muitos séculos houve muito menos mulheres escritoras do que homens. Vamos fazer mais um jogo. Para quem fez a escolaridade em Portugal, que autores estudaram? Aqui vão os meus - Sophia de Mello Breyner Andersen (vá lá, uma mulher), Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Luis de Stau Monteiro, Luiz Vaz de Camões, José Saramago, Gil Vicente, Almeida Garrett. Admito que as coisas agora estejam melhores. Já concluí a minha escolaridade há um tempo, mas vocês percebem o que quero dizer.
Não, ninguém ia reclamar de um festival composto só por mulheres porque isso ainda acontece pouco, porque as mulheres escritoras ainda têm de lutar muito mais para que haja um espaço para o seu trabalho e para a sua arte. Não, ninguém reclamava de um festival apenas de escritoras porque, tal como a Rita Canas Mendes logo apontou em resposta àquele comentário idiota, um festival literário composto só por homens e um festival composto só por mulheres não são a mesma coisa. "Sexismo ao contrário" não existe. Sexismo é uma coisa estrutural e que sempre penalizou mais as mulheres que os homens. Em tudo. As mulheres foram escolarizadas mais tarde porque ah e tal eram donas de casa e só tinham que saber cozinhar e parir, as mulheres foram barradas de imensas profissões até mais tarde, foram as mulheres que durante muito tempo não puderam votar, nunca os homens.
Foram as mulheres que tiveram de lutar para ser vistas como seres humanos em pé de igualdade com os outros seres humanos - os homens - e pelos vistos continuamos na luta porque até quando apontamos da falta de espaço para as mulheres num evento como um festival literário temos de levar com o clássico "whataboutism" masculino e ler comentários como "ah, se fosse um festival de mulheres ninguém dizia nada". Em 2025 continuamos nisto.
Desculpem, hoje irritei-me. Vou tentar que a publicação para a semana seja mais bem-humorada.
PS: um agradecimento à Clara Não porque o Festival Literário de Penacova escondeu tão bem aquele cartaz só masculino que só na crónica que ela escreveu para o Expresso consegui encontrá-lo.
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Let's play "find the difference". I've always loved that game. The first picture is the most recent line-up for the first literary festival in Penacova this month. The second one, was the first line-up they announced. You have five seconds to spot the difference. Obvious, isn't it?
I haven't mentioned the topic before, but I couldn't ignore it. Penacova will have a literary festival. Great! We don't have that many in Portugal and we know everything usually happens either in Porto or Lisbon, so, anything which steps away from that "rule" is welcome. However, we can't ignore the elephant in the room (I'm sorry for the cliché): when it was first announced, the program of the Festival was exclusively male. More recently the shared the other line-up. It includes two women, I guess, because it was so heavily criticized.
As expected (and should be aplauded) The Women Writers Club shared a statement regarding the festival saying that it "lacked representativity and disrespects the audience who has the right to also hear from women writers, as it disrespects women writers and their work". They semi-fixed it in a hurry as we can see, but it's not enough, especially because, of course, there were comments like the one shared by Rita Canas Mendes of a man going back to the classic "oh, but what about men?" - he wrote "oh, if it was a festival exclusively for women writers no one would complain". Exactly.
The literary world was exclusively made up of men, created by men, for men, as so many other things in our world. Historically, women had less access to education, did not know how to read or write, so, for centuries there were a lot less women writers in Portugal. Let's play another game - think about the authors you studied in school. In Portugal, when I was studying, we studied the literary works of one or two women compared to a dozen men. I have finished my school years a while ago. It may be better now. But you understand what I mean.
No, no one would complain of a festival exclusively made-up of women because that is still an exception, because women writers still have to fight a lot harder to be taken seriously, for space for their work and art. No, no one would complain about a festival for women writers only because, as Rita Canas Mendes pointed out in response to that idiotic comment, a women only literary festival and a men only literary festival are not the same thing. "Reverse sexism" does not exist. Sexism is structural and it has always affected women more negatively than men. In everything. Women didn't get to go to school until much later than men always did because they were seen as housewives who only had to cook and bear children. They only had access to so many professions much much later, they had to earn the right to vote. Not men. Never men.
Women had to fight to be seen as human beings in equal footing with other human beings - men - as apparently we have to keep fighting because when we point out that lack of space for women in a literary festival, a man still throws around the classic "whataboutism" and comments like "if it was exclusively made up of women, no one would say a thing". It's 2025 and we still get this.
Sorry. I got mad today. I will try to write a lighter post next week.
