Review: "Teoria das Catástrofes Elementares"

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Este livro agarra-nos desde o primeiro capítulo com uma história sobre o atropelamento da mãe da personagem principal. Desde logo, Rita Canas Mendes demonstra o que é, para mim, o maior feito desta obra: cada capítulo podia ser um livro inteiro. O leitor é de imediato transportado para aquelas histórias e queremos saber mais sobre o que está a acontecer a cada personagem.
No entanto, foi o segundo capítulo que me fez não conseguir parar de ler (a não ser quando tive de interromper para ler outro livro por causa de trabalho - daí ter demorado um bocadinho mais a partilhar aqui a review).
Nesse segundo capítulo, a personagem principal está com o pai no Registo Civil. Já tiraram uma senha e estão à espera de ser chamados. Quem nunca esteve numa situação dessas de espera ansiosa em que o tempo parece não querer avançar? A forma como a Rita Canas Mendes integra a contagem do número das senhas que vão sendo chamadas com as divagações do pai demonstra uma mestria do uso da palavra que é invejável. Exactamente pelo modo como o capítulo está escrito, de imediato, somos transportados para aquela sala, para aquela espera, e nos revemos no que está a acontecer.
Mas este é só o princípio de uma obra muito mais abrangente. "Teoria das Catástrofes Elementares" aborda temas como relações familiares complexas, parentalidade, colonialismo e relações históricas com África. Sobretudo, um pouco ao longo de todos os capítulos, este livro fala do que é ser mulher nos anos 80 e 90 mas também ainda hoje em dia. Abusos nas mais diversas relações. No sistema.
Um dos capítulos mais poderosos é um autêntico grito do Ipiranga. Não posso escrevê-lo aqui todo, mas deixo um cheirinho do que é este capítulo XXXI: "Não percebo como é que não está tudo aos gritos na rua. Eu estou a passar-me com este estado de coisas... Na sexta-feira, na manifestação, a dada altura cantava-se 'mulheres em luta, contra os filhos da puta'. Mas eu não tenho nada contra as putas, o problema são os filhos, os que se tornam agressores. Onde é que estão os pais nessa história? - Foram eles que os ensinaram? Como é que alguém passa de criança a criminoso? Como é que uma rapariga se defende de uma alcateia? Porque a alcateia está a toda a volta - os agressores, os polícias, os juízes, os pais e, às vezes, também as mães. Todos achando-se no direito de subjugar o outro, ou melhor, a outra. Não importa a idade, a beleza, o estatuto social. Ser-se mulher, já para não falar de uma que pertença a uma minoria, é estar-se à mercê. Podem ser virgens em comunidades religiosas ou putas em bordéis, a opressão está sempre lá. Eu sei que a mãe está um bocado chocada por me ouvir falar assim, mas não aguento mais. A revolta com este sistema é tão grande, tão grande. Nós vivemos com isto tudo, carregamos os traumas todos os dias e ainda temos que aturar piropos nojentos na rua. Agora que finalmente estamos a falar disto, com o MeToo, o foco não deve estar no Me, e sim no Too. O problema não é só meu ou só da mãe, é de todas. O problema é de todos, e em todo o lado, no mundo inteiro. A mãe tem de vir marchar comigo no dia 8 de março. Temos de fazer barulho. Isto não pode continuar assim. Estou farta, farta, farta."
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This book grabs our attention from chapter one with a story about the main character's mother being run over. From that moment on, Rita Canas Mendes shows what is, for me, the best thing about this book: each chapter could be its own entire book. The reader is immediately transported to those stories and we want to know more about what happens to each character. But it was chapter two which made me not want to stop reading (unless I had to interrupt to read something for work).
In that second chapter, the main character is with her father in A Civil Registry Office. They have a number and are waiting to be called. Who among us has never been in those situations when the more you want the time to pass, the more it seems to drag? The way Rita Canas Mendes weaves the counting of the numbers as people are being called with the father's rambling shows a mastery of the written word which is enviable.
But this is only the beginning of a much larger work of fiction. "Teoria das Catástrofes Elementares" goes onto themes such as complex family dynamics, parenthood, colonialism and historical ties to Africa. Most of all, throughout all the chapters, this book talks about what it's like being a woman in the 80s and 90s as well as today showcasing several types of abuse in different relationships and the system itself.
Written only in Portuguese for now, I do hope this book gets translated to more languages so other people can experience it. I believe every woman in the world will relate to even if just one of the situations portrayed in the book and that is also why it's so important.
