As leituras deste ano/This year's readings
Não sei como foi para vocês mas, para mim, 2024 foi um ano de excelentes leituras. Como o Goodreads fez questão de apontar, acho que é o ano em que dei mais vezes "cinco estrelas". Não gosto da ideia de fazer sequer um "top 10" de leituras porque, sobretudo num ano em que li tantos livros tão bons, seria praticamente impossível. Posso dizer, no entanto, que nesta imagem aqui ao lado estão quase todos os meus preferidos. Faltam dois ou três.
Se gostam de leituras intensas e que vos arrancam a alma e o coração do corpo, "Demon Copperhead" da Barbara Kingsolver, "Minor Detail" da Adania Shibli e "A Cicatriz" da Maria Francisca Gama são as recomendações que deixo. Acho que ainda estou a recuperar dos três.
Se estão com curiosidade por uma auto-ficção, "The Shards" do Bret Easton Ellis é espectacular (desde que se ignore o óbvio privilégio de menino rico da Califórnia no adolescente que ele foi e que é a "personagem" principal da história). Porque também se faz óptima auto-ficção em Português, espreitem o "Teoria das Catástrofes Elementares" da Rita Canas Mendes, cuja escrita faz com que pareça que ela está ao nosso lado a contar-nos a história.
2024 foi ainda ano de algumas leituras mais fora da caixa. Se procurarem algo, no mínimo, peculiar, a recomendação em Português é, claro, o "Sinais de Fumo" do Alex Couto que me fez rir de forma disparatada nos transportes públicos. Podem ler também em Português (mas será tradução) o "Bunny" da Mona Awad que espelha bem como a escrita pode ser mágica, destrutiva, estranha, entusiasmante e tudo isso ao mesmo tempo ou o "Yellowface" - em Português "A Impostora" - da Rebecca Kuang que eu ouvi em audiolivro. Outro dos meus preferidos foi ainda o único livro para um público mais jovem que li em 2024 - "Ketchup Clouds", um romance epistolar que conta a história de uma adolescente que vai confessando um segredo negro que carrega a um prisioneiro no corredor da morte através de cartas que lhe envia.
Além de tudo o que me fez adorar estes livros e que tem a ver com aqueles critérios habituais que nos fazem gostar ou não de uma história - personagens, enredo, tom, etc, - os livros de que mais gostei este ano fizeram-me também pensar em como há uma inerente contradição na escrita. Aqueles que tendem a deixar uma maior marca nos leitores (sendo que, claro, só posso falar por mim e pelo que vejo à minha volta) parecem ser aqueles com uma voz mais autêntica, em que as palavras saltam da página e falam diretamente connosco. Aqueles em que parece que o autor é nosso amigo, tomou um café connosco e contou um sonho que teve ou mesmo algo que lhe aconteceu da forma mais articulada e mais bonita. No entanto, é claro que aquelas histórias foram editadas imensas vezes; não foram escritas assim logo no primeiro rascunho.
Saber escrever é saber fazer o leitor acreditar que, sim, foram, mesmo que isso nunca seja verdade.
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I don't know how 2024 was for you but, for me, it was a year of excellent reads. As Goodreads points out, I think it was the year I gave more "5 star" ratings, at least in recent years. I hate the idea of doing a "top 10" because I read such great books this year that would be practically impossible. I can say, though, that in the image next to this post are most of my favourites. We're only missing two or three.
If you enjoy intense books that rip your heart and soul from your body, "Demon Copperhead" by Barbara Kingsolver or "Minor Detail" by Adania Shibli are the way to go. I am still recovering from both (plus an extra book I am not including in the English version of the post as, for now, it only exists in Portuguese).
If you enjoy reading "auto-fiction", "The Shards" by Bret Easton Ellis is amazing, just as long as you are able to ignore the obviou southern California boy privilege vibes. 2024 was also the year I read some peculiar books. "Bunny" by Mona Awad shows how writing can be magical, destructive, weird and exhilirating all at the same time. I also really liked "Yellowface" by Rebecca Kuang and "Ketchup Clouds", one of the few YA books I read this year which tells the story of a teenager who confesses a dark secret she carries to a man on death row by sending him letters.
Besides everything that made me love these books which fits the usual criteria - characters, plot, voice - the books I loved the most this year made me think about how there seems to be an inherent contradiction in writing: the stories which leave the biggest mark on a reader (I can only speak, of course, for myself and what I see) seem to be those with the most authentic voice, where words jump from the page and speak to us. Those where it seems the author is our friend, we went out for a coffee, and he or she tells us a dream they had or something that happened to them in the most articulate and beautiful way. But, obviously, all of those stories were heavily edited. None of them were published as they were in the first draft.
Knowing how to write is knowing how to make the reader believe that they were.
Sempre que vou viajar esqueço-me de alguma coisa. Nunca é nada de muito importante ou insubstituível. Por norma são objetos simples que facilmente consigo arranjar para onde quer que vá.