Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Inês N. Almeida

Inês N. Almeida

Primeiro do ano - "Mulheres Invisíveis"/ First book of the year - "Invisible Women"

Inês Nobre de Almeida, 16.01.25

 20250111_103007.jpg4

Está terminada a primeira leitura de 2025. Este já tinha começado no final do ano passado. Aprendi imenso com este livro. Também revirei muito os olhos e apeteceu-me atirar com ele à cabeça metafórica do patriarcado. Vivemos num mundo feito para homens e mais do que injusto e desconfortável, isso pode ser até perigoso. É isso mesmo que este livro ensina. 

A sinopse: "Imagina um mundo em que... o teu telemóvel é demasiado grande para a tua mão, o teu médico prescreve medicamentos errados para o teu corpo, que num acidente de carro tens mais 47% de probabilidade de ser ferida com gravidade. Se algumas destas coisas soam familiares, é provável que sejas uma mulher. Desde políticas governamentais e investigação médica, a tecnologia ou aos locais de trabalho e aos media, "Mulheres Invisíveis" mostra como num mundo construído em grande parte para e pelos homens, estamos sistematicamente a ignorar metade da população, muitas vezes, com consequências desastrosas".

Fiquei exausta  de frustração a ler este livro. Revi-me em quase todos os capítulos e mesmo aqueles com os quais não me revejo - os da maternidade uma vez que não sou mãe, ou os que têm a ver com a segurança rodoviária pois não conduzo - deixaram um gosto amargo na minha garganta. Mais uma vez - que frustração ler este livro.

Podemos começar pelas coisas mais simples: Há pouco mais de um ano, quando comprei o telemóvel que tenho agora, andei a fazer pesquisas para ver o que era melhor (dentro do adequado ao meu bolso) e decidi comprar um certo modelo. Fui ao centro comercial sabendo o que queria. Tinha as funcionalidades que precisava, durabilidade da bateria, etc. Cheguei à loja, procurei o telemóvel que tinha escolhido e peguei nele. Era enorme na minha mão. Seria enorme também numa mala mais pequena que usasse, por exemplo, para sair. Acabei por escolher outro. A escolha de um telemóvel não é sequer problema de primeiro mundo, não é um problema, mas foi isto que aconteceu da última vez que tive de optar.  

Mas este livro fala de outras coisas. Logo no início, por exemplo, Caroline Criado Perez fala de algo que é "aparentemente neutro" no impacto que tem nos homens e mulheres. Depois explica porque é que isso não é verdade. Neste caso, ela estava a falar da limpeza da neve nas estradas da Suécia, um país que tem fama de ser igualitário. Na limpeza da neve eram sistematicamente priorizadas algumas estradas que veio a perceber-se que correspodiam tendencialmente aos padrões de viagem dos homens já que, estatisticamente, os homens conduzem mais do que as mulheres naquele país. Vias pedonais, nas quais, por exemplo, as mulheres empurram carrinhos de bebé, são deixadas para segundo plano.

Outra coisa que foi difícil de engolir - foi preciso a Sheryl Samberg, agora COO da Meta, chamar a atenção da Google para o facto de não haver lugares de estacionamento reservados próximos da entrada para mulheres grávidas quando lá trabalhava para uma gigante tecnológica como a Google perceber que isso era uma necessidade. A GOOGLE! Desculpem, não entendo. E deram ouvidos à Sheryl Samberg porque era uma chefia. E as pessoas que engravidaram antes dela? Pois. 

Algo em que nunca tinha pensado também: estamos em 2025, este livro só tem cinco anos. Como é que, então, no final da década passada os uniformes para a Polícia e militares continuam a ser "neutros"? As mulheres têm seios que, por isso, são constantemente apertados por todo o equipamento protector que têm de utilizar uma vez que nada está adaptado ao corpo feminino. (* grito 17988796757* de frustração). Neste caso é particularmente grave. Estamos a falar de questões de segurança, potencialmente casos de vida ou morte. Temos de fazer melhor. O mesmo pode ser dito em relação ao sem número de medicações que são testadas apenas em homens porque "ah e tal as mulheres têm flutuações hormonais e um corpo mais imprevisível". Eu não sou cientista, mas diria que esse é o argumento exactamente para os medicamentos serem estudados em mulheres e não em homens, mas pronto, é o que temos. 

Para finalizar, este livro também aborda algo que me irrita imenso que são as percepções em relação ao que um homem e uma mulher devem ser. a Caroline Criado Perez escreveu sobre a primeira eleição do Donald Trump em 2016 - e a vitória sobre Hillary Clinton - , mas o mesmo serviria para este segundo mandato: "Ser a primeira mulher a ocupar o cargo mais poderoso do mundo requer um nível extraordinário de ambição. Mas pode dizer-se também que é bastante ambicioso para um homem de negócios falhado, celebridade da TV sem experiência política candidatar-se ao cargo político mais de topo no mundo - mas a ambição não é uma palavra suja no que toca a Donald Trump". Porquê? Porque os homens podem e devem ser ambiciosos, podem e devem ser agressivos, podem e devem ser tudo o que eles quiserem. As mulheres ambiciosas são mal vistas. As mulheres assertivas são logo "agressivas" por defenderem uma ideia, por expressarem uma opinião. Ai de nós. Mulher deve ser dócil, deve ser calma, deve ser ponderada, tudo aquilo que não é exigido aos homens. 

Com todo o respeito: que se lixem essas ideias antiquadas (e olhem que escrevi "que se lixem" mas até queria escrever outra coisa) . Precisamos de ser melhores do que isto. 

_________________________________________________________________________________________________________________

4

I finished my first book of 2025. I had started it at the end of last year. I learned a lot with it. I also rolled my eyes a lot and felt like throwing the book at the metaphorical head of the patriarchy. We live in a world made for men and more than unjust and uncomfortable, it can turn dangerous. That's exactly what the book teaches us.

The synopsis: "Imagine a world where... Your phone is too big for your hand, your doctor prescribes a drug that is wrong for your body. In a car accident, you are 47% more likely to be seriously injured. If this sounds familiar, chances are that you're a woman. From government policy and medical research, to technology, workplaces and the media, Invisible Women reveals how, in a world largely built for and by men, we are systematically ignoring half the population, othen with disastrous consequences".

I was exhausted with frustration reading this book. I saw myself in almost all of the chapters and even those in which I don't - the ones regarding motherhood because I am not a mother, or the ones concerning road safety because I do not drive - I was left with a bitter taste in my mouth. Once again - it was such a frustrating read.

Let's start simple: just over a year ago, when I bought my phone, I researched to see what worked best for me (and was accessible price-wise). I decided for a specific one. I went to a shop knowing what I wanted. It had the specs I needed. I get there, I looked for the phone I had chosen and I held it. It was huge in my hand. It would also be huge in a smalled handbag. I ended up picking a different one. But choosing a phone is not even a first world problem, it isn't a problem at all. It was just something I noticed.

But this book mentions other things too. For example, right at the beginning, Caroline Criado Perez mentions something "apparently neutral" genderwise. Then, she goes on to explai why it isn't. She was talking about snow-cleaning patterns on the roads in Swenden, a country known for being aware of gender equality issues. When it came to snow cleaning, the roads which were prioritized correpsonded to male travel patterns given that, statistically, swedish men drive more than women. Pedestrian walkways in which women might push prams are not prioritized.

Another hard to swallow truth - it took Sheryl Samberg, now COO of Meta, call out the fact that Google did not have priority parking spaces for pregnant women closer to the entrance when she worked there (and was heavily pregnant) for them to realize that was a necessity. GOOGLE!! I am sorry, I don't get it. Also, they only listened to Sheryl Samberg because she held a senior role. What about all the pregnant women before her? Exactly. 

Something I had never thought about: It's 2025. This book is only five years old. How is it that at the end of the last decade Police and Military uniforms were still "neutral"? Women have breasts that end up being squashed by protective equipment which is too tight because it is not adapted to the female body. (* scream number 1765689 in frustration*). This case is particularly serious. We are talking safety here, potentially cases of life and death. We need to do better. The same can be said about medication tested only in men because "oh, women have hormone fluctuations, it's an unpredictable body". I am no scientist, but I'd say that should be an argument in favour of testing things on women and not on men, but here we are.

To conclude, this book also talks about something I really hate which are the perceptions regarding what men and women should be. Caroline Criado Perez wrote about the first tie Donald Trump got elected in 2016 and his victory over Hillary Clinton, but she could have been writing about his second election as well: "Being the first woman to occupy the most powerful role in the world does take an extraordinary level of ambition. But you could also argue that it's fairly ambitious for a failed businessman and TV celebrity who has no prior political experience to run for the top political job in the world - and yet ambition is not a dirty word when it comes to Trump".

Why? Because men can e should be ambitious, they can and should be aggressive, they can be whatever they want. Women who are ambitious are frowned upon. Assertive women are immediately labeled as "aggressive" if they defend an idea or express an opinion. How do we dare? A woman should be docile, calm, everything that isn't required of men.  

With all the respect: screw those antiquated ideas (and let me tell you: I wrote "screw" but I definitely wanted to write another word). We need to do better.

 

 

Review: "Teoria das Catástrofes Elementares"

Inês Nobre de Almeida, 10.10.24

20241008_085009.jpg

4

Este livro agarra-nos desde o primeiro capítulo com uma história sobre o atropelamento da mãe da personagem principal. Desde logo, Rita Canas Mendes demonstra o que é, para mim, o maior feito desta obra: cada capítulo podia ser um livro inteiro. O leitor é de imediato transportado para aquelas histórias e queremos saber mais sobre o que está a acontecer a cada personagem.

No entanto, foi o segundo capítulo que me fez não conseguir parar de ler (a não ser quando tive de interromper para ler outro livro por causa de trabalho - daí ter demorado um bocadinho mais a partilhar aqui a review).

Nesse segundo capítulo, a personagem principal está com o pai no Registo Civil. Já tiraram uma senha e estão à espera de ser chamados. Quem nunca esteve numa situação dessas de espera ansiosa em que o tempo parece não querer avançar? A forma como a Rita Canas Mendes integra a contagem do número das senhas que vão sendo chamadas com as divagações do pai demonstra uma mestria do uso da palavra que é invejável. Exactamente pelo modo como o capítulo está escrito, de imediato, somos transportados para aquela sala, para aquela espera, e nos revemos no que está a acontecer. 

Mas este é só o princípio de uma obra muito mais abrangente. "Teoria das Catástrofes Elementares" aborda temas como relações familiares complexas, parentalidade, colonialismo e relações históricas com África. Sobretudo, um pouco ao longo de todos os capítulos, este livro fala do que é ser mulher nos anos 80 e 90 mas também ainda hoje em dia. Abusos nas mais diversas relações. No sistema.

Um dos capítulos mais poderosos é um autêntico grito do Ipiranga. Não posso escrevê-lo aqui todo, mas deixo um cheirinho do que é este capítulo XXXI: "Não percebo como é que não está tudo aos gritos na rua. Eu estou a passar-me com este estado de coisas... Na sexta-feira, na manifestação, a dada altura cantava-se 'mulheres em luta, contra os filhos da puta'. Mas eu não tenho nada contra as putas, o problema são os filhos, os que se tornam agressores. Onde é que estão os pais nessa história? - Foram eles que os ensinaram? Como é que alguém passa de criança a criminoso? Como é que uma rapariga se defende de uma alcateia? Porque a alcateia está a toda a volta - os agressores, os polícias, os juízes, os pais e, às vezes, também as mães. Todos achando-se no direito de subjugar o outro, ou melhor, a outra. Não importa a idade, a beleza, o estatuto social. Ser-se mulher, já para não falar de uma que pertença a uma minoria, é estar-se à mercê. Podem ser virgens em comunidades religiosas ou putas em bordéis, a opressão está sempre lá. Eu sei que a mãe está um bocado chocada por me ouvir falar assim, mas não aguento mais. A revolta com este sistema é tão grande, tão grande. Nós vivemos com isto tudo, carregamos os traumas todos os dias e ainda temos que aturar piropos nojentos na rua. Agora que finalmente estamos a falar disto, com o MeToo, o foco não deve estar no Me, e sim no Too. O problema não é só meu ou só da mãe, é de todas. O problema é de todos, e em todo o lado, no mundo inteiro. A mãe tem de vir marchar comigo no dia 8 de março. Temos de fazer barulho. Isto não pode continuar assim. Estou farta, farta, farta."

_________________________________________________________________________________________________________________

4

 

This book grabs our attention from chapter one with a story about the main character's mother being run over. From that moment on, Rita Canas Mendes shows what is, for me, the best thing about this book: each chapter could be its own entire book. The reader is immediately transported to those stories and we want to know more about what happens to each character. But it was chapter two which made me not want to stop reading (unless I had to interrupt to read something for work).

In that second chapter, the main character is with her father in A Civil Registry Office. They have a number and are waiting to be called. Who among us has never been in those situations when the more you want the time to pass, the more it seems to drag? The way Rita Canas Mendes weaves the counting of the numbers as people are being called with the father's rambling shows a mastery of the written word which is enviable.

But this is only the beginning of a much larger work of fiction. "Teoria das Catástrofes Elementares" goes onto themes such as complex family dynamics, parenthood, colonialism and historical ties to Africa. Most of all, throughout all the chapters, this book talks about what it's like being a woman in the 80s and 90s as well as today showcasing several types of abuse in different relationships and the system itself.

Written only in Portuguese for now, I do hope this book gets translated to more languages so other people can experience it. I believe every woman in the world will relate to even if just one of the situations portrayed in the book and that is also why it's so important.