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Inês N. Almeida

Inês N. Almeida

Uma caneta no meu documento (e a razão pela qual não lhe toco)/A pen in my document (and why I don't touch it)

Inês Nobre de Almeida, 21.08.25

Hesitei muito, muito, muito em escrever sobre este assunto. Desde que deixei de usar o Microsoft Word (que nem quase uma pessoa das cavernas) e passei a escrever sobretudo no software do e-mail que me debato sobre se devo vir falar sobre aquela canetinha irritante que aparece no canto superior esquerdo da página - quer ela esteja em branco ou não. Acabei por decidir que sim, por isso, vamos a isto.

Há uma canetinha irritante no software que uso para escrever. Aparece assim que abro um documento. Se aproximar o cursor lá de cima sei logo a sua utilidade: oferece-se para reescrever o rascunho por mim. Não estou interessada. Antes de ir mais a fundo neste assunto, sabendo que tem potencial para levar algumas pessoas a atirarem-se à minha garganta (metaforicamente, espero), digo, como já disse várias vezes (e quem me lê sabe) que não sou autora publicada (ainda. Quero vir a ser). De qualquer modo, enquanto alguém que escreve e está atenta ao meio e ao que nele se passa tenho direito à minha opinião. Temos todos. 

Recentemente, uma autora que até conheço pessoalmente e com a qual já fiz duas ou três formações lançou uma nova sobre o uso de inteligência artificial para a escrita. "Ajuda a explorar ideias, estruturar pensamentos, ultrapassar bloqueios criativos e experimentar diferentes formas narrativas", indica uma publicação de anúncio da formação. A descrição continua, no entanto, para mim, só nesta frase há vários problemas.

Quem aqui me segue bem sabe que "estruturar pensamentos" ou o manuscrito num todo é aquilo em que tenho mais dificuldade, mas felizmente há um infinito número de ferramentas para nos ajudar a fazê-lo que não são o ChatGPT. Para mim, o StoryCAD resultou. O software oferecia vários exemplos de estruturas e isso permitiu-me confirmar que, de facto, a história que estava a escrever tinha uma estrutura concreta. Não estava confuso, não estava a perder o fio condutor, estava tudo bem. Isto é diferente de dizer ao ChatGPT "estrutura-me uma história com este e este enredo". 

Ainda assim, o pior daquela frase está no "ajudar a explorar ideias" e "ultrapassar bloqueios criativos". Comecemos pelo último: vão dar uma volta, durmam uma sesta (às vezes faz-se luz quando estou prestes a adormecer), tomem um duche (há pessoas que dizem ter ideias no banho), sentem-se, em silêncio, com a página em branco, sem distrações e, acreditem, as ideias começam a fluir quando a alternativa é o tremendo aborrecimento de não estar a fazer ou a olhar para nada. Bloqueios criativos fazem parte do processo, ser escritor, é aprender a ultrapassá-los, cada um de nós à sua maneira. Quanto ao "ajuda a explorar ideias", pior ainda. 

Eu não quero entregar as minhas ideias ao ChatGPT. Eu não quero que um algorítmo surja ainda com mais força como "ferramenta de apoio ao processo criativo" (com muitas, mesmo muitas aspas) à custa da minha criatividade, do tempo que eu passei a desenvolver ideias, a deixá-las amadurecer, a trabalhá-las. Usar o ChatGPT para "explorar ideias" é dar ideias ao algoritmo, é entregar a nossa criatividade a uma ferramenta que embora pareça tê-la também, não tem, porque é uma tecnologia e não um ser humano. A criatividade e a capacidade de imaginar é das características mais maravilhosas que o nosso cérebro tem. Uma máquina não consegue fazê-lo sozinha, apenas quando se alimenta das nossas ideias tipo parasita.

Eu não sou contra o uso da tecnologia na escrita. Escrevo esta publicação no meu computador portátil. Ainda bem que ele existe, e a internet, e tudo isso. Usem o "Evernote" e o "StoryCAD" para ajudar a estruturar a história à vontade, para criar fichas de personagens, para criar um fio condutor do enredo. Para explorar ideias? Escrevam-nas. Para desbloqueio criativo? Descubram o que resulta para vocês: uma corrida, um passeio, música, um duche, ver uma série ou um filme. 

Um algoritmo não deve tornar-se "criativo" (com todas as aspas do mundo) às custas do nosso trabalho e da nossa criatividade.

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I hesitate a lot writing about this. Ever since I stopped writing in Microsoft Word (like a cave person, I know) and I started writing in the software available on my drive that I debate with myself if I should come here and write about that annoying little pen that pops up on the upper left corner of the page - whether it's a blank page or not. I decided to do it, so, here we go. 

There's a little annoying pen in the software I use to write. It pops up every time I open a document. If I move my cursor to it, I can see what it's meant to do: it offers to rewrite the draft for me. I am not interested. Before I dive deeper into this, knowing that it has the potential to make some people come at me (metaphorically, I hope), I'll say, as I have many times before, that I am not a published author (yet. I want to be). Still, as someone who writes and pays attention to what happens in publishing, I have the right to my opinion. We all do.

Recently, an author I even know personally, someone who gives workshops, some of which I have participated in, launched a new one about using AI for writing. "It helps expore ideas, structure thoughts, get over writer's block and try new creative structures", says an Instagram post advertising it. The text goes on, but just this sentence has several problems.

If you have been reading this blog you know that "structure" is one of my biggest problems when working a manuscript. Fortunately, there's already a million tools to help us work on it, that aren't ChatGPT. To me, StoryCAD worked fine. The software offered examples of structures and that was enough for me to check if mine made sense. I made sure my manuscript wasn't confusing, I wasn't losing track of where I was going. That is very different than asking ChatGPT "structure a story with this and this plot point".

That said, the worst of that sentence, to me, is "helping explore ideas" and "get over writer's block". Let's start with the last one: take a walk, take a nap (sometimes I solve story problems when I'm about to fall asleep), take a shower (I've heard it works for some people), sit in silence with the blank page, no distractions, and believe me, ideas start to flow when the alternative is the tremendous boredoom of not doing or looking at anything. Creative block is part of the process. Being a writer is learning how to get over that in your very own special way.

But the part about "helping explore ideas" is even worse. I don't want to give my ideas to ChatGPT. I don't want an algorithm to become an even stronger "support tool for the creative process" (with A LOT of quotation marks) at the expense of my creativity, of the time I spent developping ideas, letting them mature. Using ChatGPT to "explore ideas" is handing over those ideas to the algoritm, is handing over our creativity to a tool that despite seemingly having it too, it doesn't, because it's a technology, not a human being. Creativity and our ability to imagine is one of the most wonderful things our brain has. A machine cannot do it on its own, only when it feeds off our ideas, like a parasite.

I am not against using technology in writing. I am writing this post on my laptop. It's great it exists. I also love that the internet and all that exists. Use "Evernote" or "StoryCAD" if structuring is your problem. You can create character sheets, make sure your story has a solid structure. To explore ideas? Write them. To cure creative block? Find out what works for you: go for a run, a walk, listen to music, shower, watch a movie or TV show. An algorithm should not become "creative" (with all the quotation marks in the world) at the expense of our work and creativity.

 

 

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